Um século de corrupção

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Correio Braziliense e Estado de Minas – domingo, 17 de setembro de 2017.

O medo de perder e ficar irrelevante produz no político uma grande dose de agressividade e mudança de costume. Dele emana uma atração proibida. Quando o que ordena o mundo dos líderes é a surpresa de supor que sua posição hierárquica em relação a força da economia aumentou, sair do poder desestabiliza e confunde sua capacidade de entender o abismo que existe entre ter influência e ter dinheiro. É como se sua autossuficiência masculina se extinguisse. E virando as costas aos bons costumes concentra sua confiança em ficar rico.

A cisão entre o sistema econômico e a sociedade, que cresceu nas últimas décadas, convive com o sintoma da desmoralização das forças institucionalizadas. E a marca da principal ponte que se rompeu entre ambos é a ojeriza aos políticos. O mote que organiza a deslegitimação é a corrupção.

Lá se vão talvez algumas décadas desde que a influente revista americana Foreign Affairs não publica matéria tão crua, lúgubre e incisiva sobre o grotesco que virou o poder no mundo. A corrupção na política é a nova estética fantasmagórica da sociedade democrática. Um problema crescente do século.

A apreciação de um livro acadêmico sobre como lidar com a corrupção serviu para uma clara e imprevista dissecação da podridão do mundo político. Feita por uma estudiosa publicação afiliada ao Carnegie Endowment for International Peace – Fundo Carnegie para a Paz Internacional – uma das três instituições privadas mais influentes do mundo. O livro, intitulado, um tanto quanto pretensiosamente, “A cura para a corrupção”, é filho amadurecido de uma vasta leva de estudos encomendados sobre o assunto. A partir da formulação feita pelo Banco Mundial do conceito de governança e transparência muitos se debruçaram sobre o tema que fundia política e gestão. E esbarraram, a cada avanço intelectual no problema da extração de rendas, nos maus desenhos burocráticos da deliberada ação antieconômica dos agentes com ascendência sobre assuntos do Estado.

O espaço dado à popularização do assunto na prudente publicação deve ser notado. Afinal, tal estudo poderia ter chegado aos gabinetes ministeriais dos EUA e mundo afora sem o sutil estardalhaço que a resenha lhe confere. Os humores e as desavenças atuais nas altas cúpulas do poder não são para paz e descrição.

Em linhas gerais, o artigo “Cleptocracia na América” aponta para o fato de que os cidadãos americanos nunca estiveram tão preocupados com corrupção como agora e que tal fato acompanha um movimento global. Sintomaticamente, o primeiro exemplo é o da situação vivida no Brasil.

“Muito mais do que um problema para governos é uma abordagem de governo”. O autor do livro “A cura para a corrupção”, o professor Robert Rotberg, quando tinha 30 anos foi citado pela primeira vez na Foreign Affairs em uma lista de lançamentos de Relações Internacionais. O seu début era “Uma História Política da África Tropical”. Muitos anos mais tarde, já com 53 anos, ele publicou seu primeiro artigo na revista. Falava do Haiti, então governado pelo general Henri Namphy. Basicamente apregoava uma ação mais efetiva dos EUA, mas não estava certo se era o momento. Dali para cá, publicou um em 2000 sobre Mugabe, depois em 2002 sobre Estados Falidos. Nesse, desfilava opiniões sobre Somália, Angola, Sudão, Congo, Afeganistão, Libéria Bósnia, Camboja, Colômbia, Líbano, Timor Leste; e mesmo já aproveitava para tirar uma casquinha da Rússia.

Em 2004 o tema foi seu entusiasmo com o African Leadership Council – Conselho de Liderança Africana – presidido por Quett Masire, professor ex-presidente de Botswana, uma respeitada receita de bolo caseiro. Depois, em 2010, novamente sobre Mugabe, em artigo em que insistia que “a maldição da África são seus líderes venais”.

Em 2016 suas preocupações se deslocaram de Haiti e África e pousaram em Curitiba. Havia descoberto Sérgio Moro. Dizia ele que a “diferença entre os países mais corruptos do mundo – os Afeganistãos, Angolas, Nigérias, Ucrainas, Nigérias e Venezuelas do globo – e aqueles que estão no caminho da probidade é terem liderança visionária”. Aproveita então para elogiar Lee Kuan Yew, de Singapura, Paul Kagame, de Ruanda, e Xi Jinping, da China, como bons exemplos de caçada à corrupção. E chama a atenção para Moro e sua cidadela metódica de arrancar o erro do errado.

Nada fala sobre o fato de movimentos sociais, decisões políticas, poder econômico, formação da opinião, modos de informação e de consumo estarem largamente dominados por centros de decisão internacionais. Ou que o mundo político parece que não quer muito saber das ofensas que o obrigam a reagir.

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PAULO DELGADO é Sociólogo.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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