Um país admirado

É o ímpeto econômico que faz competitivo um combustível fóssil sufocando o ímpeto político inovador que asseguraria a energia limpa.

Um país admirado

“As pessoas têm sido inexplicavelmente boas comigo. Não tenho inimigos e, se certas pessoas se disfarçaram como tais, elas têm sido demasiado gentis para me causar dor. Todas as vezes que leio algo que escreveram contra mim, não só compartilho o sentimento, como penso que eu mesmo poderia fazer melhor o trabalho. Talvez eu devesse aconselhar os aspirantes a inimigos que me enviem suas queixas de antemão, com certeza absoluta de que receberão toda minha ajuda e apoio…Em minha idade, deve-se ter consciência dos próprios limites, pois esse conhecimento talvez possa levar à felicidade”. Jorge Luiz Borges

Quando cheguei à penúltima página do Ensaio autobiográfico de Jorge Luiz Borges deparei-me com a citação acima e imaginei o autor falando do Brasil e sua maneira secular de enfrentar as coisas. O mundo, afinal, tem sido gentil com nossa improvisação. Três coisas, de certa maneira e ao seu modo inter-relacionadas e fundamentais para o futuro da nação que queremos e podemos ser, me vêm à mente.

As Nações Unidas perdem seu vigor transformadas num gigantesco escritório multipolar, gestão burocrática, errática, fruto das inúmeras investidas contra sua autonomia. Seja pelo mal ativo das grandes potências e suas manipulações. Seja pela anarquia de significados do voto e decisão dos emergentes quando não veem problema em querer contar cabeça de governo que corta cabeça. Interesses legítimos mas em conflito com a natureza da causa pleiteada – reformar a ONU, recusar a Unesco – só ampliam o caráter centrífugo da opinião pública que não entende para quê ser mais do mesmo na Organização. O padrão do voto brasileiro em relação a direitos humanos e democracia é histórico e o impacto negativo da sua mudança não revela nenhuma astúcia da razão. Porque nunca houve para nossa diplomacia hierarquia seletiva neste tema é que podemos pleitear a reforma substantiva do sistema.

É notória a relação entre petróleo, pobreza e insegurança energética. Um carvão de poço, cujo uso é vinculado a baixo índice de responsabilidade social, ambiental, saúde e segurança. É terminal sua cadeia produtiva após 150 anos como exportadora de commodities. Não é uma produção no sentido industrial do termo pelo arcaico caráter extrativista, mantido por reservas operadas em permanente estado de coleta. Deve ser visto como é: óleo, estoque, província petrolífera. Seu recurso talvez seja mais bem guardado como reserva estratégica, pois é tão inapropriada sua gestão e consequências humanas como é imprevisível o preço do seu barril. Agravado pelo fato de que o ímpeto econômico que faz continuar competitivo esse combustível fóssil e poluidor é o que sufoca o ímpeto político inovador que poderia assegurar pesquisa e investimento em fontes alternativas, limpas, de energia. Nossas maiores riquezas continuam sendo população, meio ambiente, diversidade industrial e democracia. Basta um olhar sobre o ambiente geopolítico que gira em torno do conflito petrolífero para ver associadas grandes reservas, monopólio, baixa industrialização e tecnologia, nacionalismos retrógrados, monarquias tirânicas, manipulação de preços e instabilidade institucional permanente. Enfim, é mais relevante para o Estado fiscalizar a atividade, cobrar o imposto necessário do que querer controlar óleo. E fazer a Petrobras dar um passo à frente para ser uma universidade de energia.

A Conferência de Copenhague é o mais importante encontro mundial sobre mudanças climáticas desde Kyoto. Deve estabelecer metas para a redução de emissões de gases que estão levando o planeta à ruína e bases para um esforço global de civilidade ambiental. Conter a poluição e a produção suja, deter queimada e desmatamento, mudar a matriz energética, ampliar o uso do crédito carbono pelo setor industrial limpo são exemplos que fundamentam propostas universais que podem ser a base de um novo protocolo ambiental. Dar sentido econômico e comercial à proteção ambiental através de mecanismos fiscais e monetários compensatórios de apoio à sustentabilidade. É grande a expectativa sobre o que pensa e faz o Brasil, gigante mundial do sol, da água e do verde.

Ainda o poeta portenho: o dever de todas as coisas é ser uma felicidade.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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