Transições democráticas

Transições democráticas
Estado de Minas e Correio Braziliense, domingo, 17 de Abril de 2016.

Edward Albert Christian, Príncipe de Gales e Duque de Windsor veio ao Brasil em 1931 como herdeiro do trono da Inglaterra e no dia 4 de março fez um hole-in-one no Santos-São Vicente Golf Clube. A bola dessa façanha que vai do taco ao alvo em um só lance, atravessou todos os bunkers e caiu certeira no buraco 3.  Elegância e memória da história desse esporte. Mas, sua maior tacada, veio 5 anos depois, pelo coração. Foi quando abdicou e não quis continuar Rei da Inglaterra para se casar com Wallis Simpson, norte-americana plebeia e divorciada, como se dizia na época.

Costumes e leis, amor e responsabilidade, têm muito a ver com a política das nações.

Nos últimos trinta e cinco anos 185 novas constituições entraram em vigor mundo afora. A brasileira, da qual tive a honra de ajudar a escrever, como Constituinte por Minas Gerais, é uma delas. E em seus 27 anos, já foi alterada 97 vezes. Temos uma turbulenta vida política nos 126 anos de República. São 6 Constituintes, 41 anos de eleição indireta, 85 anos de eleição direta, 39 presidentes eleitos – direta ou indiretamente- onde somente 36 tomaram posses. E não para aí: 6 vices assumiram o mandato; 5 presidentes foram interinos; 2 juntas militares; um presidente e um vice foram impedidos de tomar posse pela força; um renunciou; outro foi afastado por loucura. Dois morreram antes da posse; um sofreu impeachment. Como se vê, em nossa história, a política é gasosa, o sistema partidário é líquido, a economia é volátil.  E toda crise, quase sempre, é produto do máximo da falta de virtude do sistema que a alimenta.

Testada duas vezes nos últimos anos pelo processo de impeachment a Constituição de 88 permanece. E, hoje, graças a ela, o principal fato político que acontece no mundo democrático, acontece em Brasília.

As paixões que acompanham crises políticas são contraditórias. Na História da Guerra do Peloponeso, Tucídides diz que as pessoas quando têm o poder em mãos se superestimam, se enganam e provocam sua própria queda. A tradição democrática, em sua raiz, foi instaurada para tornar perecível o uso do poder pessoal. Não para garantir o poder a qualquer custo, de modo algum. O fracasso na vida dos governantes é um dos resultados possíveis para quem tenta governar sobre aqueles que não têm mais entusiasmo por aquilo que é oferecido à sua existência. Tão valiosa quanto as razões dos governantes.

De Gaulle, general que chegou de maneira inverossímil à cadeira de maior líder francês, viu e aceitou honradamente a perda de entusiasmo por suas ações. Sabia o que o tinha levado até ali. Saiu, por não ter poder para ficar. Ai, começou a se tornar, verdadeiramente, o líder que dá nome à principal porta da França para o exterior, com estátuas por todo país. Com o tempo, vida que segue, a circunstância mudou e voltaram a precisar dele. Ora, mas o que são as pessoas em suas pequenas vaidades?. O herói que mais reclama da passagem do tempo sobre si é o que menos contribui para a significação do que sofreu.

Um país não é só o que ele faz, mas o que rejeita ou tolera. E a velha máxima de que para ser tolerante devemos saber o que é intolerável continua de pé. As guerras assimétricas são a tônica do nosso tempo. Mas uma coisa é a sociedade se organizar para lutar de uma posição de fraqueza contra forças que sustentam governos fracos. Outra coisa é o governo lutar de uma posição de força, Estatal, contra a sociedade atônita. Que, mesmo assim, chega a ponto de expressar, aos milhões e de forma pacifica, seu descontentamento. Não dá para forçar o bem querer, pois, a legitimidade que decorre da vitória eleitoral não é a mesma do exercício do mandato.

A partir de uma perspectiva internacional, onde tantos governos caem antes da hora, ter seu mandato impedido por manipulação das contas públicas é mais honroso nos tempos atuais. Sutileza de nossa democracia que a presidente está deixando escapar. Uma transição democrática, voluntária, que resulte em melhor desempenho econômico e maior bem-estar social seria o melhor rosto para o governante que fracassou.

Em um mundo de pessoas de carne e osso, individualidade e sonho, não é honroso insistir em frustrar as perspectivas passadas, dadas ao povo, de que a vida haveria de melhorar. Não dá. O governo atual precisa recuar. Até para que suas mais valiosas contribuições à história brasileira possam ser contadas.

A população brasileira sabe que as tendências desse processo podem não se evaporar com a saída da presidente. Mas sente, de outra maneira, o desejo nacional. Sabe que pessoas acertam e erram, como todos. Mas compreende, na média, que um determinado fenômeno social e político está errado e se esgotou.

 

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PAULO DELGADO  é  sociólogo.

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TRANSIÇÕES DEMOCRÁTICAS – 17.04.2016 – DOMINGO – CADERNO MUNDO PÁG. 17 – CORREIO BRAZILIENSE

 

 

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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