A diversidade cultural: uma questão econômica?

Biblioteca Nacional da França e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Brasil

Colóquio França-Brasil

Tema:

A diversidade cultural: uma questão econômica?

Primeiramente, na qualidade de Presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados do Brasil, agradeço o convite que me foi feito e cumprimento a Biblioteca Nacional da França e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional brasileiro pela iniciativa de realizar o presente colóquio, envolvendo a França e o Brasil, para discutir tema tão relevante para a democracia e a ampliação das áreas de igualdade social em nosso país. Entre nós, as carências materiais são mais mortíferas do que as espirituais e culturais.

As manifestações culturais não são moléculas indiferentes umas às outras. Cultura é o ser e o vir-a-ser que ultrapassa todos os limites. No seu sentido pleno, é a dimensão simbólica da existência social, como usina e conjunto de signos de cada comunidade e de toda a nação. Uma direção de sentido das nossas identidades, que resultam dos encontros entre as múltiplas representações do sentir, do pensar e do fazer brasileiro.

Lembro aqui o que disse nosso Ministro da Cultura, Gilberto Gil, por ocasião de uma de suas conferências no Congresso Nacional: “cultura é o todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis e costumes, e qualquer outra capacidade ou hábito adquirido pelo homem enquanto ser social, membro de uma sociedade. A cultura vai muito além do âmbito restrito e restritivo das concepções acadêmicas, ou dos ritos e da liturgia de uma suposta classe artística e intelectual”.

No contexto brasileiro, a cultura tem um papel estratégico para o projeto da nação e compreende uma diversidade muito grande. Se se trata de uma questão econômica…diríamos que, em princípio, não: na medida em que somos contrários à mercantilização da cultura – embora reconheçamos que deve ser uma variável expressiva do desenvolvimento (não somente a estabilidade financeira e o rigor monetário ou as regras da Organização Mundial do Comércio), especialmente na perspectiva do desenvolvimento sustentável. É inegável – e bom – que as expressões culturais interfiram na política da economia, ou seja, no processo de trabalho, produção, circulação e consumo. Porém, devem ser vistas como uma exceção às regras do livre comércio.

Tradicionalmente a cultura era investida de uma significação marginal, reconhecida por seu valor no campo simbólico e objeto do interesse preferencial de outras ciências que não a economia. Hoje, porém, ela experimenta uma nova compreensão, que lhe é igualmente assegurada a partir de cifras tais como as relativas a sua participação no produto interno bruto, na contratação de serviços, exportação, criação de empregos, direitos autorais, entre outros indicadores similares. Entretanto, não se deve desconhecer o risco introduzido pelo processo de massificação que a globalização atualiza, regularmente. E é precisamente nesse ponto que poderíamos retomar a questão que nos é proposta, para dizer que sim, há uma questão para a economia, na diversidade cultural: ou seja, deve haver, sim, uma economia da cultura. Aliás, já é hora de o Sistema das Nações Unidas conviver com idéias estruturantes de deficit e superavit cultural na avaliação do desempenho negativo ou positivo de uma nação. Quem sabe assim, deste ponto de vista, a riqueza econômica de alguns países fique a dever ao vigor cultural de outros? Afinal, a cultura também é um bom negócio. E, nesse sentido, a ação do Estado se reveste de extrema relevância, com a finalidade de garantir que a busca do lucro não conspire contra a diversidade. O caminho mais curto entre consumidor e mercado não deve jamais se fazer em detrimento da diferença ou por sua transformação em clichê (standardização) . Esse é um pressuposto que funda nossa concepção das relações entre cultura e economia.

A UNESCO tem defendido a criação de diversos mecanismos que preservem as culturas locais, com a centralidade na diversidade cultural. Agora mesmo, aqui em Paris, no âmbito de sua 33ª Conferência Geral, se discute a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade Cultural. Esta também é a nossa causa: estamos igualmente convencidos de que nossa integração ao mundo não pode corresponder à desintegração de nossa sociedade e de nossos valores genuínos. Faz-se necessário pensar, permitam-me o neologismo, na glocalização – ou seja, na apropriação dos benefícios da globalização a serviço da afirmação local, do respeito, da valorização e do incentivo às práticas que concernem à diversidade e à diferença – contra a indiferença e a desigualdade. A cultura é incompatível com o óbvio, ao contrário do mercado.

Em um país como o nosso, o Brasil, a grande concentração da riqueza tende a engendrar a falsa dicotomia: de um lado, a fruição da diferença para os poucos que podem; de outro, a massificação. Esta é uma situação que exige a presença reguladora do Estado, entre os interesses do imediatismo e aqueles da permanência; dos valores materiais e do inefável, diríamos, a um só tempo. A propósito, registro aqui a decisão brasileira de ratificação da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial junto às Nações Unidas. Cheiros, sabores, cores e sons também distinguem os povos.

A economia da cultura, na verdade é uma linguagem nova, pouco utilizada no cotidiano do fazer do nosso povo. Entretanto, é uma realidade do desenvolvimento econômico e social. Ao citar novamente o Ministro Gilberto Gil, peço licença para homenagear o Presidente Lula e sua decisão de ter um artista no Ministério das Cultura. Diz o Ministro: “cultura é também um novo mercado de bens e serviços. Esse tripé – indústrias criativas, propriedade intelectual e diversidade cultural – vai reger tudo. Está tudo junto, a cultura como cidadania, como economia e como fator de coesão, inclusão e deslocamento do risco social”.

Neste sentido, temos a certeza de que encontramos o apoio e o exemplo da França, que sempre soube impor e aliar sensibilidade econômica aos assuntos de sua cultura. É o nome francês do charme. Com efeito, vêm das relações entre nossos países algumas referências fundamentais no âmbito da estrutura do Estado brasileiro, tais como a responsabilidade pelo bem-estar da população e a valorização da vida comunitária; a cultura universalista dos serviços públicos; e o caráter absoluto dos direitos humanos. Política cultural não presume apenas recursos financeiros e criatividade: requer a proteção sistemática pela sociedade e por cada um de seus cidadãos do patrimônio do povo.

Fazemos votos de que prossigamos no caminho das boas trocas que têm assinalado as relações culturais entre o Brasil e a França. Concluo agradecendo, mais uma vez, a oportunidade de estar presente neste colóquio, certo de que os objetivos do evento serão atingidos com muito sucesso.

Muito obrigado.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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