Maternidades Industriais

Maternidades Industriais

O Globo – 4 de Março de 2013.

Em 2012, cientistas da Universidade de Nottingham, na Inglaterra, criaram um útero artificial de mamífero capaz de desenvolver um embrião fora da barriga da fêmea; nesse caso, um camundongo. Uma década atrás, na Universidade de Cornell, em Nova York, experiências semelhantes foram feitas com células e embriões humanos, que não puderam, contanto, durar mais do que os primeiros dias a fim de que fosse respeitada a legislação sobre fertilização in vitro. Segundo estudo publicado pela Academia de Ciências de Nova York, essa linha de pesquisa remonta à década de 80, sendo que em 1986 foram publicados os primeiros resultados.

Desde então, as pesquisas para se criar um útero artificial para humanos continuam ocorrendo mundo afora. A ideia de alguns é que um dia se possa aplicar nas pessoas um tipo de experiência que em 2011 possibilitou que tubarões se desenvolvessem por completo num ambiente artificial, facilitando a procriação de certas espécies ameaçadas de extinção. Também no caso do estudo com camundongos, o intuito é extrair conhecimentos que levem a melhores tratamentos para a gestação humana.

Mas a possibilidade de utilizar úteros artificiais para formação de pessoas, da fecundação ao nascimento, levanta questões que não são do domínio apenas de cientistas e das entidades que os financiam. Em pouco tempo, a sexualidade, que cada vez mais perde prestígio como um ato de amor, se separará definitivamente da procriação e a distinção biológica entre homens e mulheres será uma ficção do passado.

O avanço científico, como tudo que precisa ter viabilidade econômica, anda de mãos dadas com novas demandas sociais e contextos que propiciem a criação de mercado para as invenções. É o homem momentâneo, consumista e sem futuro, seu alvo preferencial. Quem não se lembra de quando a simpática indústria de leite em pó, aproveitando-se de modismos, levou inúmeras mães a pararem de amamentar? E será a ciência que explica a epidemia de cesariana na Rússia e no Brasil?

Após a descoberta das técnicas de inseminação artificial e fertilização in vitro, que tornaram o homem um detalhe na fecundação, a ciência se prepara para oferecer ao mundo a redundância também da mulher. Assim vão se dando os principais passos para a medicalização da formação da vida. E para quem não dá valor à família – parabéns! –, vem aí um mundo sem parentes: da era do filho da mãe aos tempos do fim da mãe.

As maternidades industriais do futuro, que cuidarão da reprodução assistida, foram pensadas, 81 anos atrás, pelo escritor inglês Aldous Huxley, quando descreveu um “Admirável Mundo Novo”, onde pais e mães são desnecessários na sociedade perfeita. E, hoje, a ciência corre atrás para tornar realidade a imaginação antes restrita à ficção.

Todos os avanços científicos foram um dia ficção. Mas a sociedade é resultado de escolhas agrupadas em torno de valores, autênticos ou deteriorados – e renuncia às suas ilusões de progresso quando não sabe mais distinguir uns dos outros.

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PAULO DELGADO é sociólogo.

 

 

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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