Entrevista – Paulo Delgado “Precisamos de um novo Itamar Franco”

José Negreiros

O Tempo

BRASÍLIA – Discreto, austero e preocupado em não errar. São os três atributos indispensáveis ao político que for escolhido para presidir a Câmara dos Deputados em substituição a Severino Cavalcanti, considerado ex-presidente pelos políticos envolvidos na delicada operação de resolver a crise provocada pela denúncia de que ele recebeu propina de um empresário que explora o restaurante da Casa.

O enunciado foi feito pelo deputado mineiro Paulo Delgado (PT), um dos principais interlocutores da negociação e apontado como nome que preenche todos os requisitos para comandar a Câmara, embora ele prefira discutir a agenda e não o nome a ser ungido.

“Ele terá um mandato tampão e um desafio parecido com o que enfrentou o ex-presidente Itamar Franco”, prevê Delgado, um dos primeiros a criticar os erros do PT no governo.

O TEMPO – Como será a eleição do substituto de Severino?

Paulo Delgado – Parecida com uma escolha de reitor, por meio de uma lista tríplice, por exemplo. O PT, apesar de ter a maior bancada, perdeu direito ao cargo. O escolhido tem que ser um político discreto e austero e não ser oposicionista nem governista.

Não será uma eleição como outra qualquer, pois agora trata-se de um problema do Congresso. Ele terá um mandato tampão e um desafio parecido com o que enfrentou o ex-presidente Itamar Franco.

O novo presidente vai ser escolhido praticamente por aclamação, com pauta de trabalho definida, amplo debate e clareza do que será prioritário. Ultrapassou a dimensão de problema que diz respeito à Casa. É perda do símbolo da autoridade.

Qual o principal critério para a escolha do novo presidente?

Tem que ser por consenso a respeito da natureza dessa gestão futura. Ela não pode ser conflitiva.

Tem que haver unidade de pensamento a respeito dos principais temas que estão na pauta do Legislativo, tais como a decisão do Conselho de Ética sobre os processos de cassação dos 18 deputados, orientação da mesa da Câmara a respeito de contratos com prestadores de serviços, relacionamento com os partidos políticos etc.

Como achar um nome que atenda a todas essas expectativas?

Por meio de conversas e de um acordo que leve àquele que estiver disposto a salvar o Congresso.

Nós estamos vivendo a maior crise da história do Legislativo no Brasil. Um funcionário, um servidor, concessionário de um serviço confronta o presidente da Câmara num gesto tão ousado que mesmo que não seja verdade quebra um princípio básico de respeito à autoridade.

O presidente da Câmara, então, onde quer que ele esteja, tem que convocar uma reunião da mesa e tomar uma medida em que ponha sua própria vida em avaliação.

Como o senhor vê a cogitação de seu nome para suceder Severino?

É mais fácil participar do debate do que da candidatura ao cargo. Quem pleiteia não merece. O importante é o perfil.

A pessoa tem que ser austera, discreta e ter um grande temor ao erro. Como lhe disse, impõe-se agora no Legislativo uma situação parecida àquela em que o ex-presidente Itamar assumiu.

Cite o nome de alguém capaz de preencher os requisitos para substituir Severino.

É a hora de patriotas de sangue frio para cumprir a mais importante missão de sua vida. Temos alguns políticos assim.

Todos os partidos têm quadros assim. Tem que ser alguém com sabedoria para realizar uma gestão que acabe com a informalidade nas relações institucionais da Câmara, o que permitiu que se chegasse à situação de desfaçatez a que chegamos.

Que tipo de procedimento na administração da mesa diretora permitiu que se produzisse uma coisa como essa?

Como o senhor reagiu à entrevista do dono do restaurante fazendo acusações ao presidente da Câmara pela televisão, no horário água com açúcar da tarde, falando em dinheiro em envelope, pagamento com cheque, contando em detalhes sobre a forma como dava propina a um líder do Poder Legislativo?

Foi chocante. Um concessionário de um serviço dentro de um sindicato acusando o chefe de um Poder de ter negociado com ele a concessão!

Nos últimos 20 anos o Brasil aprovou três leis muito importantes: a nova Constituição, a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Licitações. São as três mais importantes leis do país. Não se pode admitir que esses três valores são efêmeros e podem ser rasgados pelo chefe de um Poder.

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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