Duas dores do mundo atual

Duas dores do mundo atual

Correio Braziliense e Estado de Minas. Domingo, 29 de novembro de 2015.

 

 “Paris! Paris ultrajada! Paris despedaçada! Paris martirizada! Mas Paris libertada!”, ecoa o célebre discurso do General De Gaulle, encravado na base de sua estatua na Praça Clemenceau. Praça que permite o encontro da avenida mais famosa do mundo, Champs-Élysées, com  as avenidas que homenageam os gigantes políticos que desembaraçaram o século XX: Winston Churchill e Franklin Roosevelt.

Nem bem passada uma quinzena da noite de terror, que acentua cada mais entre os seres humanos a distancia espiritual e política que abalou outra vez o mundo, a capital francesa toca a vida apesar do pesadelo.  Recebe a partir de amanhã o principal fórum de negociações para o estabelecimento de políticas para lidar com as mudanças do clima que afetam desastrosamente o planeta. O terrorismo, inverossimilmente rico, e seu princípio econômico do mínimo esforço na defesa de uma idéia, divide com o meio ambiente o topo da agenda negativa deste jovem e agitado século XXI. E ambos são notados nos espasmos de suas reações de violência incontrolável. Nenhum pode ser curado topicamente, ou à sombra dos interesses que movimenta. Ambos apontam para um mundo doente. E que só sobreviverá se tratado com rigor e como um todo.

Olhando para nosso tempo, terrorismo e desastre ecológico, são as duas chagas advindas dos excessos do triunfo do capitalismo no fim do século XX. O terrorismo, esse sem sentido assimétrico da odiosa atitude vinda da ansiedade e medo diante do choque de civilizações. Potencial encontro transformado em curto-circuito. O mal-estar ambiental, resultado dessa gula despótica que também não aceita regras ou limites.. Os Estados desenvolvidos, e suas maiores empresas espalhadas pelos países inviáveis, guiam-se muitas vezes por  uma moral de voragem. A COP-21, Conferência da ONU sobre Alterações Climáticas, se esforça para não ser apenas mais uma na lista que vai empurrando com a barriga essa elevada e sempre atrasada agenda da humanidade. Como se ainda não tivéssemos sofrimento suficiente para sublimar as questões do XXI. Mas Paris pode conter algum sinal. E numa curta conjuntura pode ajudar a tirar o mundo do prejuízo.

No último convescote do G-7, felizmente, colocou-se ênfase nas medidas em favor de políticas de defesa do meio ambiente. A Alemanha, que organizou o evento e ditou a agenda, sabe que ganha com isso. Segura que está com sua bem espalhada e enraizada cultura industrial que compete na vanguarda, Berlim preside sobre um tipo de regime capitalista mais adaptável à mudança tecnológica. Por outro lado, a China que é – como só poderia ser o esperado, dado a atual escala de sua população e produção – o maior emissor de gases de efeito estufa, finalmente passou a dar sinais claros que assumirá sua responsabilidade em reduzir as emissões danosas ao planeta.

Pequim demonstrou que de Copenhague pra cá fez o dever de casa mesmo sem os grilhões de um acordo que não deixou acontecer. Fez porque sabe que lhe é benéfico. Fez para viver melhor e ganhar mais posições na disputa pela vanguarda tecnológica. E hoje, o que oferece ao regime da ONU sobre clima, ainda que consista em agradável surpresa pela sua clareza, sabe-se que está aquém do que fará por interesse próprio. Ainda há a vontade de protagonismo de um Obama em fim de mandato, constrangido a justificar o Nobel que recebeu. Em seu esforço, arrancou de países como o Brasil, compromissos importantes.

Essas conferências regulares das Nações Unidas tiveram início a partir de tratado firmado na Eco-92 no Rio de Janeiro. Cinco anos depois a Conferência de Quioto foi organizada para dotar o mundo de um novo paradigma de compromisso com a saúde do planeta. De lá para cá, de suas 21 edições, algumas foram relevantes como a de Quioto, muitas não. E mesmo a de Quioto, por mais bem intencionada que tenha sido, o protocolo que dali saiu não vingou. Dali para frente as conferências do clima têm sido sucessivas decepções investidas de crescente irrelevância.

Douglass North, mente brilhante que faleceu quatro dias atrás após 95 anos de uma vida de criatividade rara, defendia que uma das melhores formas de se pensar inclue sempre aceitar novas regras, novos incentivos à mudança. O fundamento primordial da escolha não é querer somente o que é necessariamente ótimo, mas realisticamente incentivado para cenários melhores, mais sustentáveis .

Naquela mesma estatua na Praça Clemenceau, há um segundo brado de De Gaulle sobre a existência do pacto  “entre a grandeza da França e a liberdade do mundo”. A atual angústia francesa talvez seja desfeita se ela conseguir ser o palco da superação dessas duas dores que aprisionam o vislumbre de um século XXI melhor.

 

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PAULO DELGADO é sociólogo

 

parisultrajada

Paulo Delgado
Paulo Delgado
Sociólogo, Pós-Graduado em Ciência Política, Professor Universitário, Deputado Constituinte em 1988, exerceu mandatos federais até 2011. Consultor de Empresas e Instituições, escreve para os jornais O Estado de S. Paulo, Estado de Minas e Correio Braziliense.

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